Olha Onde a Favela Chegou trocou uma idéia com Nelson Maca, líder do Coletivo Blackitude.

Um dos maiores articuladores do Hip Hop soteropolitano, o professor Nelson Maca parou para trocar algumas idéias com o blog Olha Onde a Favela Chegou. Ele falou sobre o seu coletivo, o Blackitude Vozes Negras da Bahia, política, cultura, de Hip Hop é claro e muito mais. Confere aí as idéias de Nelson Maca... negrosss!!!
 

“O Hip Hop não é apenas uma coisa que você faz, é uma coisa que você vive” KRS-One.


1Olha Onde a Favela Chegou- Salve Maca, e aí tudo certinho...???

Nelson Maca - Opa, tudo certo! É a maior satisfação estar aqui!
 
2Olha Onde a Favela Chegou- Você é um cara que transita no mundo acadêmico e no mundo do Hip Hop. Como é para você sendo um professor de Letras e militante da Cultura Hip Hop conciliar essas duas linguagens de dois universos tão distintos?

Nelson Maca - Gosto desse trânsito. Não é fácil encontrar equilíbrio; conviver com a rua e a academia e suas dicotomias conflitantes ou, ainda pior, com suas hierarquizações de poder. Mas não acho que sou nenhum ser especial por isso. Na verdade, conheço muita gente que transita bem lá e cá, cá e lá. Inspiro-me neles! Penso que o afastamento entre a vida espontânea das ruas e sua tentativa de compreensão sistematizada é uma grande burrice. Só serve para mitificar o conhecimento, fazendo com que os “doutores” sejam vistos como o supra-sumo da raça. E aqueles que o conhecimento é “orgânico” passem por instintivos ou exóticos inócuos. Tudo mentira! Gosto de levar o hip hop para universidade, mas também tenho mediado o contrário: gente da academia sujando os pés no chão da realidade da rua. Nego-me a ter que escolher entre o dentro e o fora porque não vejo a universidade como um inverso curral dos escolhidos do Deus Conhecimento.

3Olha Onde a Favela Chegou- Você é um militante já de muito tempo do Movimento Negro. E com o Hip Hop, como foi o seu contato inicial?

- Primeiro, justamente por transitar nos espaços da Negritude. Pelo meu contato com a cultura black, ainda na década de mil novecentos e oitenta. Eu gostava de dançar funk-soul nas festas do bairro e frequentar o Clube Moustache - lá em Curitiba - onde rolava partido alto, samba-rock, “música lenta” e funk-soul. Nessa época o cinema trazia as novidades em filmes como “Beat Street” e “Break Dance”. Vivi isso no seu pico. Por exemplo, presenciei o estouro de “The Message” de Grand Master Flash e Furious Five. Mais que isso, dancei muito essa música, inclusive coreografada com os parceiros lá do Bairro do Capão Raso. Logo aquela informação toda dos filmes começaram a ganhar Curitiba também. O que vi primeiro nas ruas da capital do Paraná foram os b.boys; depois os primeiros grafites nos muros. Do Rap e o DJ enquanto elementos da cultura hip hop só fui tomar consciência mais tarde. Na verdade, foram os últimos elementos que presenciei nessa sequência. Mas somente em Salvador compreendi concretamente a potência agregadora do hip hop num sentido mais coletivo e político. Como sempre fui militante do Movimento Social Negro, logo abracei a causa, porém nunca quis fazer do hip hop muleta ou pretexto pra outra coisa que não a ação do hip hop em si. Integrei a posse Ori. Depois veio a Blackitude: Vozes Negras da Bahia; e aqui estamos! 

    

4Olha Onde a Favela Chegou- Qual foi a importância do Movimento Negro na luta em prol do sistema de cotas nas universidades públicas?

Nelson Maca - Primordial. Sem Movimento Negro não teria cota nem nada. Desde a rebelião do primeiro negro escravizado podemos falar em Movimento Negro. As cotas fazem parte de um conjunto de ações afirmativas. Não podem ser vistas como algo isolado em si, mas sim com um dos elementos concretos de um processo sócio-político que vem de muito longe e vai para mais longe ainda. Não consigo pensar em cotas em Salvador sem a presença de instituições como o Instituto Steve Biko e de ativistas como a Ceres Santos. Logicamente, eles simbolizam aqui muita gente guerreira nossa. Basta você lembrar que a UNEB, pioneira na cotas no Brasil, implantou-as a partir de uma conjuntura favorável, tendo no comando da reitoria uma mulher negra, Ivete Sacramento, consciente do conflito racial brasileiro. Então, para mim, o Movimento Negro não tem só uma importância na implantação das cotas, mas é o próprio coração e pernas que dão o sopro de vida e que fazem este sistema viver e se locomover - para frente.     

5Olha Onde a Favela Chegou- O coletivo Blackitude é um núcleo de Hip Hop, mas que também agrega outras linguagens. Nos fale um pouco do Blackitude.

Nelson Maca - A Backitude: Vozes Negras da Bahia nasce de pessoa que integravam a Posse Ori. Logicamente com idéias e posturas diferentes, porém sem deixar de ser complementares. Praticamos há dez anos os 4 elementos da cultura hip hop em simultaneidade. No sentido clássico, concebemos o hip hop como 4 elementos, compreendendo hoje, com mais objetividade, o conhecimento e o trabalho social como primordiais, porém não como elementos exclusivos. Como me explicou bem o GOG, o conhecimento é o ar, central e transversal, que pode oxigenar os demais elementos. Isso me convenceu bastante. No entanto, a Blackitude agrega ainda outras linguagens específicas como a literatura em si, principalmente a poesia, e o audiovisual. Além disso o coletivo se tornou célebre pelo seu baile black, que ainda vai conseguir se aproximar ainda mais dos modelos da década setenta, dos tempos do Black-Bahia e do Black-Rio. Hoje em dia, para se ter uma idéia, tocamos dois saraus na cidade: o Sarau Bem Black, que é adulto e com uma orientação objetivamente étnica, e o Sarau Bem Legal, que é infantil e não tem recorte de raça, embora trabalhe com textos de poetas negros, a exemplo de Solano Trindade e José Carlos Limeira. Mas quero muito, a cada dia mais, que a Blackitude seja reconhecida como um coletivo de ações que envolvam literatura, hip hop e africanidades.      

6Olha Onde a Favela Chegou-  Além de Nelson Maca, quem mais faz parte do núcleo base do Blackitude?

Nelson Maca - Muita gente, de alguma forma, já participou ou participa da Blackitude. Uns ficaram, outros saíram e outros estabelecem alianças estratégicas. Quem compõe, organicamente, o coletivo não são muitos. Organicamente quer dizer trabalhar mesmo, e muito. Tipo correr atrás, panfletar, carregar peso, montar as estruturas, vender ingresso e muito mais; trampo mesmo. Inclua aí botar grana do próprio bolso e, na maioria das vezes (rsrs), rachar os prejuízos, trabalhar horas a fio sem garantia de alimentação, etc. Hoje quem tá nessa vibe sou eu; o Penga, o DJ Joe, o DJ Edilson, o Daniel Alcântara, o Ananias, a Tina, a Negra Íris, o Bob Boa, o Neuro, a Ana Cristina. Muito outros estão próximos de nós, embora independentes. Entre eles o Robson Véio, a Iara Nascimento, o Lázaro Erê, o Lee27, o Jay, o Camburão e o Frank. Algumas pessoas estiveram e foram muito importantes para a estruturação do grupo. O Rangel Blequimobiu foi essencial ao processo. O Edbrass deu altas forças e incentivos. Outros fizeram e fazem parte como parceiros artísticos com os quais não corremos o risco perder o equilíbrio entre a arte e o ativismo. Vou esquecer muitos, mas vamos lá: Dj Mario77, Elemento X, Sr. Rânneo, Testemunhaz, Quilombo Vivo, Afrogueto, Comboio Blackitude Free-Styele (Juno, Fall, Guga, Xarope, Macarrão, Diego 157, Dimack, Daganja, Spock, Kiko, etc), Independente de Rua, Limpo, Peace, Sisma, Dimak, Bigod, Roque, Finho, Marcos Costa, Lama, Soneca. Quando o técnico e seletor de frequências Redivan trampa com a gente, e o Pablo fica responsável pelo palco, nunca dá errado: é qualidade técnica com certeza. Outros caras que nos fortalecem demais quando convocados sãos os cinegrafistas e vídeo-makers Ricardo Soares e  Marcondes Dourado. No rap, atualmente temos fechado fortemente com Daganja, RBF, Afrogueto e Opanijé. O Dj Bandido e o Edi Dj são sempre solidários e presentes. Fora da Bahia, consideramos Sergio Vaz e o GOG como integrantes efetivos do Blackitude. Eles também se consideram. 

    

7Olha Onde a Favela Chegou- Nos corrija se estivermos errados, mas você e Jorge Hilton (Simples Rap´ortagem) foram os pioneiros em levar o Hip Hop para dentro das Universidades. Na sua opinião como foi esse primeiro contato para ambos?

Nelson Maca - Olha, sinceramente, não sei se fui um dos primeiros a levar o hip hop para a universidade por aqui. O que me destaca é o fato de ser da universidade. Realmente, não sei, ou não me lembro quem mais fez isso antes. Na verdade mesmo, não tenho pretensão de ser pioneiro, apenas atuante. O presente me interessa mais que o passado!  De minha parte, o contato foi bastante respeitoso (de dentro pra fora e de fora pra dentro) e sem submissões ou arrogâncias, eu acho... 

8Olha Onde a Favela Chegou-  O Blackitude valoriza muito o lado artístico dos elementos com os quais trabalha. Mas que também tem um lado ativista muito forte. Você acha que obrigatoriamente o Hip Hop tem que ser politizado?

Nelson Maca - Sim! Mas há muitos Hip Hop, não é? Obviamente, falo do Hip Hop que participo e que me interessa. Então minha resposta é sincera para mim mesmo. Cada qual deve saber o que quer fazer e onde quer colar, não é? Tem muito rapper muito bom que só pensa em música assim com tem muito rapper muito ruim altamente politizado e ativista. Se a questão é o rap em si, prefiro o bom rapper no palco, mesmo que não seja ativista. Pra ser sincero, penso que fazer um bom Rap já é uma grande contribuição política. Mas então reconheço e respeito o rapper como músico, cantor. E posso gostar muito - sem culpa. Posso comprar o cd, vestir a camisa e ir pro show! Na real mesmo, o que penso é que o ativismo político deve ser uma escolha e uma convicção do artista, não uma exigência ou imposição de público ou das “pseudo-lideranças” do hip hop. Tem muito cara que não grafita, não canta, não dança, não risca, não produz, não organiza eventos... e quer dizer o  que pode e o que não pode. Gosta de ocupar cargos e sempre está a frente de projetos e instituições de hip hop. Por isso passei a desconfiar um pouco do quinto elemento independente (que um dia já defendi).  Em eventos da Blackitude, tentamos esse equilíbrio: Estética + Conceito Hip Hop + Negritude + Atitude.    

9Olha Onde a Favela Chegou- Ultimamente tem se falado muito em uma suposta crise no Rap Nacional e até mesmo em uma possível estagnação do gênero. Qual a sua opinião sobre isso?

Nelson Maca - Vou falar de Salvador. Nunca vi tantos grupos diversificados e tantos trampos ganhando as ruas. Melhorou muito desde os tempos da Posse Ori. No caso específico daqui, acho que o rap só cresceu ultimamente. Hoje já fazemos festa sem a necessidade de grupos de fora para pescar público. Em grande parte dos casos, quando se traz alguém de fora, é por afinidade estética, política, estratégia comercial ou outra articulação qualquer. Mas não é mais dependência ou babação. Qualquer estética urbana contemporânea que não se recicla, não se renova, não se aprimora enquanto linguagem e não avança na qualidade técnica, logicamente, pode saturar. Na Bahia tudo tá começando, há muita novidade e, principalmente, percebo grupos em busca de uma identidade local e própria. Não acho que o Rap está em crise por aqui, acho que está se revelando e mostrando outras faces possíveis ao Brasil; ocupando outras praças! Lógico que há também um pouco mais dos mesmos que há em qualquer lugar. Faz parte (rsrsr).

10Olha Onde a Favela Chegou- Quais grupos de Rap você destacaria na cidade no momento?

Nelson Maca - Viiixe, você quer me arrumar problemas, é? Outro dia o Buzo me perguntou isso para o livro sobre hip hop que ele vai lançar. Não citei nomes... e não vou citar aqui. Fica aí para o público escolher cada qual o seu. Nas outras respostas cito alguns, mas o motivo das citações é atuarem em parceria com a Blackitude, não um juízo de valor, tá?. Só gostaria de dizer que torço demais pelo sucesso do Buguelo, um menino bom que curto demais desde criancinha! 

11Olha Onde a Favela Chegou- Além do Rap, o que mais Nelson Maca também gosta de escutar?

Nelson Maca - Muita coisa! Nem dá pra citar muito - rsrsrs. Tenho muita MPB, Reggae, Soul, Bloco Afro... sei lá... Por exemplo, sou fanzaço do Arrigo Barnabé e do Ithamar Assumpção; tenho vários cds  do Roberto Carlos, do Arnaldo Batista, do Mundo Livre SA e do Belchior. Batatinha e Riachão são o biscoito fino de minha estante; mas lá tem também as duplas Leo Canhoto & Robertinho e Cacique & Pajé. Mutabaruka e Linton Kwesi Johnson me tiram da normalidade. Edson Gomes e Lazzo são oxigênio para todos aqui de casa. US3 e Buckshot Lefonque fazem do Rap e do Jazz algo mágico, enquanto Bezerra da Silva é o Papa sem ser pop... Ouço muita coisa. Também para mim tem dois tipos de música: a que gosto e a que não gosto. Gosto do Chico Cesar como gosto do Jimmi Hendrix; gosto do Wesley Nóog, da Marisa Monte e da Ellen Oléria. Da Elza Soares, da Sandra de Sá... gosto do Magary e do Ramiro Mussoto e da Lumpen. Realmente sou totalmente múltiplo no gosto musical: descobri Bob Dylan e Bob Marley ao mesmo tempo. Eu tinha 13 anos!  Até hoje não saberia escolher entre um e outro. Xangai e Elomar ouvi demais na adolescência e primeira juventude. Assisti shows de Luís Gonzaga e Luiz Melodia, o primeiro cabelo rasta que vi de perto. Como eu quis ser ele na minha pré-adolescência.  Antes de existir rap e reggae, já existia para mim “A triste partida”, um poema de Patativa do Assaré cantado pelo Rei do Baião. Vi Caju & Castanha na rua lá em Curitiba. Nunca deixei de curti-los muito! É isso: Jards Macalé, Led Zeppelin, Pink Floyd, Neil Young, Sly e Robe, Betty Daves, Nina Simone, Tom Waits, Lou Reed, Prince, Ray Parker Jr, Matinho da Vila, Clementina de Jesus... Por aí... rsrsrsrsr. Mas não espalhe, para não dizerem que sou alienado, colonizado ou que deveria ouvir apenas a música x ou y.

12Olha Onde a Favela Chegou- Dentro do campo literário, quais livros você recomendaria para a rapaziada ler?

Nelson Maca - Vou recomendar três romances, certo? De quem ler e se chegar aceito trocar impressões de leitura (rsrs). Eles são “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” do Lima Barreto, “Homem Invisível” do Ralf Ellinson e “Filho Nativo” do Richard Wright.    
 
13Olha Onde a Favela Chegou- Ainda falando em livros, você trabalhou no processo de criação do livro do Gog. Como é que foi trabalhar com o Gog nessa empreitada literária?

Nelson Maca - Um privilégio! Uma chance que a vida me deu de passar horas e horas trocando idéias com o Poeta do Rap. Mergulhamos profundamente em cada letra. O GOG cantava uma a uma para mim e íamos transpondo-as para o papel... não somente as frases e palavras, mas também a intenção, a tensão, o clima. Sabe o que é isso? É o GOG, rapaz! No processo, minha amizade e respeito pelo GOG aumentaram dez vezes. Não vou dizer o que conseguimos concretamente porque o livro tá na rua e cada um deve avaliar o texto final por si. Mas quero dizer que tão louco quanto estabelecer o texto final é estar acompanhando os lançamentos e os desdobramentos dessa ação positiva. Juntos já lançamos o livro em Brasília e São Paulo. Sozinho, fiz um pré-lançamento no Rio de Janeiro. Tá sendo demais. Todo o imenso carinho que os fãs têm para com o GOG tem respingado um pouquinho pra mim. Realmente o GOG é um grande escritor; e o livro permite uma discussão maior em torno de sua poética em outros espaços, além dos shows e audições várias. O texto tá indo pras salas de aula e muito mais. Muito em breve lançaremos em Salvador. Espero que seja na mesma vibe que nos outros lugares. Com direito a pocket shows com amigos e parceiros e conversas animadas com o autor. E muita poesia! Gostei muito de fazer o livro! Me fez saber de cada verso do GOG e descobrir, ainda mais, a pessoa maravilhosa que ele é.

              
        

14Olha Onde a Favela Chegou- Nos fale um pouco sobre os Saraus promovidos pelo Blackitude. E para quem ainda não sabe fala aí onde é que são realizados.

Nelson Maca - São dois saraus: um infantil e um adulto. O infantil chama-se Sarau Bem Legal e acontece todo último domingo do mês na Biblioteca Infantil Monteiro Lobato em Nazaré a partir das 10h. O adulto é o Sarau Bem Black e acontece no Sankofa African Bar, no Pelourinho, toda quarta feira a partir das 19h. Ambos acontecem há 1 ano e 2 meses aproximadamente. O infantil tem um grupo residente que é o Este Tal Recital, que a cada mês homenageia um poeta e traz outros grupos e poetas infantis da cidade. Na ocasião, grafiteiros parceiros da Blackitude fazem o retrato de cada poeta homenageado. O sarau adulto tem, atualmente, como poetas fixos e apresentadores eu, o Lázaro Erê, a Iara Nascimento e o Robson Véio. Este sarau tem uma pegada mais étnica (Black, é lógico - rsrs) e conta toda semana com a participação dos mcs do grupo Opanijé (Lázaro Erê e Rone Dundum) e do DJ Joe. A cada semana, Joe faz homenagens a artistas e grupo da música negra mundial. Ambos os saraus têm microfone aberto, ou seja, a platéia interage, declamando seus poemas também! A divulgação dessas e outras ações da Blackitude se dá no Blog : gramaticadaira.blogspot.com

Sarau Bem Black.

Arte de Neuro para o Sarau Bem Legal.

15Olha Onde a Favela Chegou- Uma certa vez você falou que pretendia lançar um livro sobre o Blakitude? Seria um livro de poesias ou uma espécie de documentário sobre o Hip Hop baiano do ponto de vista de Nelson Maca?

Nelson Maca - Trata-se de um livro que contará a história da Blackitude. Para tanto, penso escrever pequena histórias dos principais integrantes, para mostrar como a Blackitude se reuniu e se configurou e, depois, descrever nossas produções e intervenções na cidade. Tudo devidamente ilustrado com fotos, panfletos, cartazes, jornais, etc. Na verdade, fui convidado pela Heloísa Buarque de Holanda, que é professora da UFRJ e que está a frente da editora Aeroplano no Rio de Janeiro. A editora tem uma coleção chamada Tramas Urbanas, que é voltada para narrativas de movimento e iniciativas contemporâneas como a Blackitude. Entre outros, já saíram um livro sobre a Cooperifa, escrito pelo Sergio Vaz, e sobre o Favela Toma Conta, do Alessandro Buzo. Também foram publicados na coleção os relatos dos DJs Raffa de Brasília (Trajetória de um Guerreiro) e TR do Rio de Janeiro (Acorda, Hip Hop!). A previsão de lançamento é 2011, mas ainda não formalizamos o contrato. Enfim ainda estamos nos preâmbulos! rsrsr.          

16Olha Onde a Favela Chegou- Você já mora em Salvador há muito tempo, mas passou sua adolescência toda no Paraná. Como é ser um adolescente negro no sul do país?

Nelson Maca - Nunca morei fora do país, mas a impressão que tenho hoje é parecida com a de um estrangeiro, ou melhor, um exilado. Nem tudo era para mim... Em muitas coisas eu me sentia incluído, mas em muitas era como se não tivesse acesso; com se houvesse uma interdição, e eu soubesse bem o meu lugar. Na verdade, uma tensão, funcionando feito sinal de alerta. Tipo um “anti-impulso” para a acomodação e certa impotência, uma dificuldade de rebelião. Logicamente percebo e concluo melhor isso hoje, pois, naquele momento, sei que tudo era meio camuflado, sabe? Tipo um ar pesado, um mormaço, um prenúncio de mal estar. Hoje, morando em Salvador, observo bastante o dia-a-dia das crianças e jovens. Tenho a impressão que, nas camadas médias da negritude no cotidiano da cidade, eles são mais altivos, mais orgulhosos de si. Não acho que são mais conscientes ou menos discriminados, mas acho que são mais orgulhosos mesmo, mais convictos e “ousados” que os jovens pretos paranaense. A maneira mais fácil de se observar isso, logicamente, é nos “jogos amorosos”. Numa situação de uma maior exposição à “convivência” inter-étnica, tudo se contrai em si ou se choca violentamente. Em era uma contração mesmo! Falo das paqueras e amores aqui como ilustração, porém isso se estende a tudo: escola, lazer, esporte, trabalho, etc. Assim eu percebia, percebo e concluo, mas não é uma tese; apenas, por ora, a minha possível verdade particular.  

17Olha Onde a Favela Chegou- Você considera um marco histórico o fato do presidente do Estados Unidos, maior potência econômica do mundo ser um homem negro ou você ver essa questão política além do ponto de vista étnico?

Nelson Maca - Sem dúvida alguma é um marco! Agora devemos lembrar que governo e poder não são a mesma coisa! Podem estar perto ou distante. E, na condição de Presidente, um homem negro terá que ser, antes de tudo, um homem nacional, portanto um articulador.  Aí são outros quinhentos, né! Mesmo assim quero explicitar aqui que, existindo candidatos negros capacitados, eu sou pelo voto étnico!

18Olha Onde a Favela Chegou- Apesar de termos uma população em sua maioria constituída de negros e de termos diversos blocos afros no nosso carnaval, muitos ainda consideram o carnaval uma festa racista e excludente. Qual sua opinião sobre isso?

Nelson Maca - Antes de tudo, quero dizer que sempre gostei muito de carnaval. Apesar de todos os males ao povo negro e pobre que sabemos e presenciamos aqui, gosto demais do carnaval de Salvador. E, apesar de gostar demais, também o odeio igual e intensamente. Independente desse paradoxo, divirto-me, justamente aproveitando as demandas positivas. É tudo verdade: há racismo e privilégios, exploração trabalhista e altos lucros, indústria cultural e trabalho semi-escravo, empurra-empurra na rua e massagem nos camarotes. Então existem bem mais que um carnaval no carnaval da Bahia. Tudo em paradoxo; sem síntese possível. De minha parte, curto os Blocos Afros, a Mudança do Garcia, os trios alternativos e por aí vai. Gosto de encontrar muita gente que sempre vem para a cidade nessa época. E mesmo os daqui que circulam no carnaval. Gosto de andar na “lama”, principalmente nas madrugadas, nas altas noites de fim de festa, entre os decaídos. Sempre curti demais o Muzenza, curto o Okanbi. Sempre descubro onde estão o Gerônimo e o Lazzo; e vou atrás. Circulo pelo Pelourinho, acho lá bem legal, mas não sou tão saudosista quanto os eventos e atrações de lá. Com relação à Blackitude em si, há algum tempo flertamos com o Carnaval, mas ainda não rolou o namoro concreto. Escrevi um projeto de hip hop certa vez que foi executado (muito mal e mutilado) na Praça Castro Alves. Bem antes do carnaval daquele ano desertei (do projeto), pois ele se afastava muito do que penso que deve ser a presença do hip hop e afins na festa. Até pouquíssimo tempo atrás, eu rejeitava a idéia de um projeto para trio elétrico. Continuo achando que um projeto fixo numa praça tem muito mais a ver com a história e o perfil da Blackitude. No entanto, desde a primeira vez que vi um “trio” nas ruas da Bahia, fiquei apaixonado pela tecnologia e vibração dessa invenção-apropriação baiana. Antes tinha visto “trios” em outras cidades, mas não valeu, estão muito aquém! Ficou muito evidente para mim o que pode a Blackitude em cima de um trio elétrico depois de uma longa conversa com o grande artista do audiovisual Marcondes Dourado. Desde meu animado papo com ele há uns meses atrás, tenho revisto meus conceitos. Não está longe o dia de a Blackitude se tornar também um coletivo com expressão carnavalesca. Acho que jamais seremos batizados pela Zulu Nation (rsrsrsr).

19Olha Onde a Favela Chegou- Recentemente o rapper MV Bill integrou o elenco de uma novela juvenil da Rede Globo (ele interpreta um professor). Você acha que a aceitação do Bill, sendo ele um rapper, abre novas portas para atores negros na TV brasileira para a interpretação de papéis maiores? E você, se sente representado quanto negro?

Nelson Maca - O Bill tem aberto e ocupado várias frentes segundo os valores e interesses dele. Assim com eu tenho aberto e ocupado outras: como vocês mesmos apontam acima, na universidade, na edição de livros, etc. Essa discussão sobre Rede Globo e afins me cansa às vezes. Então me poupo um pouco de comentários, para poder me expressar mais objetivamente no dia em que me convidarem para estar lá. Não tenho um não nem um sim antecipado, certo? Ir ou não ir na Rede Globo, para mim, primeiramente, é uma questão pessoal, de coerência interna . Já vi muita gente que gosto lá, e não deixei de admirá-las simplesmente por isso. Apenas queria dizer que nas vezes que assisto a Malhação me sinto muito mal e incomodado. Não gosto. Ainda não vi o Bill atuando lá. E sinceramente não acho que o fato de ele estar ou não na Globo, na Record, no SBT, na Bandeirantes vai influenciar muito o trajeto dos que estão na divergência; na rua ou “nas internas’. Como disse o grande poeta Gil Scott-Heron, “a revolução não será televisionada”. Confesso, enfim, que o trabalho do Joel Zito Araujo, do Zózimo Bubul, do Jeferson De despertam bem mais meus instintos afro-centrados. Mas parece que a Globo é um bom trabalho. Será que paga bem mesmo?

20Olha Onde a Favela Chegou- Uma certa vez o rapper norte-americano KRS-One declarou que “em uma terra que foi invadida nunca haveria verdadeiramente de fato uma reparação” Você concorda com essa afirmação?

Nelson Maca - Sim e não! Meu conceito de reparação e adesão às ações afirmativas são estratégias de luta contra o Racismo e seus estragos.  Minhas aulas, palestras e poesias também. Mas não é unicamente em relação aos milhões em espécie e valores materiais que penso. Mas penso muito nisso, viu!!! Na verdade precisamos recompor nossa cidadania num sentido mais amplo (social, cultural, religioso, educacional...) e restituir a inteireza de nossa integridade subjetiva (consciência, espírito, axé...). Na verdade, precisamos ler, entender e praticar, radicalmente, Frantz Fanon, Malcolm X, Kwame Nkrumah e Sheik Antha Diop. Ouvir com todos os ossos, nervos e músculos James Brown, Little Richard, Bob Marley e Tim Maia. Reaprender a beleza e a integridade feminina de Lélia Gonzáles, Maya Angelou, Mirian Makeba e Mãe Senhora. Saber da luta intensa e da vida a nós doada de Fela Kuti. Enfim, não pensar a reparação somente como restauração e retomada do passado, mas como combustível e energia na reinvenção do presente..    

21Olha Onde a Favela Chegou- Fazendo um balanço desses oito anos de governo do presidente Lula, em sua opinião, quais foram os pontos positivos e quais poderiam ter sido melhores de sua administração?

Nelson Maca - Posso não entrar em detalhes nessa pergunta? Apenas gostaria de dizer que, em relação ao conflito racial brasileiro, ao racismo institucional nacional, seu governo ficou devendo... e muito!.

22Olha Onde a Favela Chegou- Então Maca ... mande um salve aí para a galera que acompanha o blog, e que curte os trabalhos desenvolvidos pelo Blackitude e a quem mais você quiser, o espaço é seu.

Nelson Maca - Opa! Uma honra ser lembrado e entrevistado aqui justamente num mês tão simbólico para a Negritude brasileira que é o mês de Novembro. Esse reconhecimento interno infla positivamente meu Ego, pois não dá para dissimular para os pares, para aqueles que estão lado a lado com a gente no processo de construção e dinamização do hip hop nacional. Só tenho a agradecer a todos que acompanham e crêem nas ações da Blackitude num sentido maior de nossa africanidade possível na Bahia Preta. E felicitar a todos que acessam este espaço virtual que é parte da Família da divergência construtiva. Também gostaria de mandar um salve pra rapa que segura hoje, efetiva e cotidianamente, no palco e no camarim, na casa e na rua, todos os frutos - positivos negativos - da Blackitude comigo: Dj JOE, Penga, Neuro, Negra Íris, Dj Edilson, Ana Cristina Pereira, Daniel Alcântara, Robson Veio, B.boy Ananias, B.girl Tina, Bob Boa, Jay. E também a galera que segura a onda do Sarau Bem Black: Lázaro Erê, Iara Nascimento, Sandro Sussuarana, Laila, Rone Dundum, Luiza Gata, Lucinha Black Power. Mando um Salve ainda ao Dj Sankofa, nosso parceiro que tem aberto as portas do Sankofa African Bar para o Sarau Bem Black, para o Fela Day e diversas outras atividades da Blackitude. Lembro ainda a amizade real e parceria efetiva e cotidiana do Poeta do Rap, GOG, e do Poeta da Cooperifa, Sérgio Vaz. Essa é a nossa formação de Guerrilha. Ninguém faz movimento social sozinho! A família é grande e dispersa, mas mãe só tem uma:
África! One People! One Love!!
 


* O blog Olha Onde a Favela Chegou, agradece a disponibilidade do professor Nelson Maca em nos conceder parte do seu tempo para trocar algumas palavras conosco, Valeu Maca!!!

Paulo Brazil & Léo Morais.
Blog Olha Onde a Favela Chegou.
COMPARTILHAR:

+1

0 Response to " Olha Onde a Favela Chegou trocou uma idéia com Nelson Maca, líder do Coletivo Blackitude. "

Postar um comentário

Comente com o Facebook:

Total de visualizações

Seguidores