Um dos maiores articuladores do Hip Hop soteropolitano, o professor Nelson Maca parou para trocar algumas idéias com o blog Olha Onde a Favela Chegou. Ele falou sobre o seu coletivo, o Blackitude Vozes Negras da Bahia, política, cultura, de Hip Hop é claro e muito mais. Confere aí as idéias de Nelson Maca... negrosss!!!
“O Hip Hop não é apenas uma coisa que você faz, é uma coisa que você vive” KRS-One.
1– Olha Onde a Favela Chegou- Salve Maca, e aí tudo certinho...???
Nelson Maca - Opa, tudo certo! É a maior satisfação estar aqui!
2– Olha Onde a Favela Chegou- Você
é um cara que transita no mundo acadêmico e no mundo do Hip Hop. Como é
para você sendo um professor de Letras e militante da Cultura Hip Hop
conciliar essas duas linguagens de dois universos tão distintos?
Nelson
Maca - Gosto desse trânsito. Não é fácil encontrar equilíbrio; conviver
com a rua e a academia e suas dicotomias conflitantes ou, ainda pior,
com suas hierarquizações de poder. Mas não acho que sou nenhum ser
especial por isso. Na verdade, conheço muita gente que transita bem lá e
cá, cá e lá. Inspiro-me neles! Penso que o afastamento entre a vida
espontânea das ruas e sua tentativa de compreensão sistematizada é uma
grande burrice. Só serve para mitificar o conhecimento, fazendo com que
os “doutores” sejam vistos como o supra-sumo da raça. E aqueles que o
conhecimento é “orgânico” passem por instintivos ou exóticos inócuos.
Tudo mentira! Gosto de levar o hip hop para universidade, mas também
tenho mediado o contrário: gente da academia sujando os pés no chão da
realidade da rua. Nego-me a ter que escolher entre o dentro e o fora
porque não vejo a universidade como um inverso curral dos escolhidos do
Deus Conhecimento.
3– Olha Onde a Favela Chegou- Você é um militante já de muito tempo do Movimento Negro. E com o Hip Hop, como foi o seu contato inicial?
-
Primeiro, justamente por transitar nos espaços da Negritude. Pelo meu
contato com a cultura black, ainda na década de mil novecentos e
oitenta. Eu gostava de dançar funk-soul nas festas do bairro e
frequentar o Clube Moustache - lá em Curitiba - onde rolava partido
alto, samba-rock, “música lenta” e funk-soul. Nessa época o cinema
trazia as novidades em filmes como “Beat Street” e “Break Dance”. Vivi
isso no seu pico. Por exemplo, presenciei o estouro de “The Message” de
Grand Master Flash e Furious Five. Mais que isso, dancei muito essa
música, inclusive coreografada com os parceiros lá do Bairro do Capão
Raso. Logo aquela informação toda dos filmes começaram a ganhar Curitiba
também. O que vi primeiro nas ruas da capital do Paraná foram os
b.boys; depois os primeiros grafites nos muros. Do Rap e o DJ enquanto
elementos da cultura hip hop só fui tomar consciência mais tarde. Na
verdade, foram os últimos elementos que presenciei nessa sequência. Mas
somente em Salvador compreendi concretamente a potência agregadora do
hip hop num sentido mais coletivo e político. Como sempre fui militante
do Movimento Social Negro, logo abracei a causa, porém nunca quis fazer
do hip hop muleta ou pretexto pra outra coisa que não a ação do hip hop em si. Integrei a posse Ori. Depois veio a Blackitude: Vozes Negras da Bahia; e aqui estamos!
4– Olha Onde a Favela Chegou- Qual foi a importância do Movimento Negro na luta em prol do sistema de cotas nas universidades públicas?
Nelson
Maca - Primordial. Sem Movimento Negro não teria cota nem nada. Desde a
rebelião do primeiro negro escravizado podemos falar em Movimento Negro. As
cotas fazem parte de um conjunto de ações afirmativas. Não podem ser
vistas como algo isolado em si, mas sim com um dos elementos concretos
de um processo sócio-político que vem de muito longe e vai para mais
longe ainda. Não consigo pensar em cotas em Salvador sem a presença de
instituições como o Instituto Steve Biko e de ativistas como a Ceres
Santos. Logicamente, eles simbolizam aqui muita gente guerreira nossa.
Basta você lembrar que a UNEB, pioneira na cotas no Brasil, implantou-as
a partir de uma conjuntura favorável, tendo no comando da reitoria uma
mulher negra, Ivete Sacramento, consciente do conflito racial
brasileiro. Então, para mim, o Movimento Negro não tem só uma
importância na implantação das cotas, mas é o próprio coração e pernas
que dão o sopro de vida e que fazem este sistema viver e se locomover -
para frente.
5– Olha Onde a Favela Chegou- O coletivo Blackitude é um núcleo de Hip Hop, mas que também agrega outras linguagens. Nos fale um pouco do Blackitude.
Nelson
Maca - A Backitude: Vozes Negras da Bahia nasce de pessoa que
integravam a Posse Ori. Logicamente com idéias e posturas diferentes,
porém sem deixar de ser complementares. Praticamos há dez anos os 4
elementos da cultura hip hop em simultaneidade. No
sentido clássico, concebemos o hip hop como 4 elementos, compreendendo
hoje, com mais objetividade, o conhecimento e o trabalho social como
primordiais, porém não como elementos exclusivos. Como me explicou bem o
GOG, o conhecimento é o ar, central e transversal, que pode oxigenar os
demais elementos. Isso me convenceu bastante. No entanto, a Blackitude
agrega ainda outras linguagens específicas como a literatura em si,
principalmente a poesia, e o audiovisual. Além disso o coletivo se
tornou célebre pelo seu baile black, que ainda vai conseguir se
aproximar ainda mais dos modelos da década setenta, dos tempos do
Black-Bahia e do Black-Rio. Hoje em dia, para se ter uma idéia, tocamos
dois saraus na cidade: o Sarau Bem Black, que é adulto e com uma
orientação objetivamente étnica, e o Sarau Bem Legal, que é infantil e
não tem recorte de raça, embora trabalhe com textos de poetas negros, a
exemplo de Solano Trindade e José Carlos Limeira. Mas quero muito, a
cada dia mais, que a Blackitude seja reconhecida como um coletivo de
ações que envolvam literatura, hip hop e africanidades.
6– Olha Onde a Favela Chegou- Além de Nelson Maca, quem mais faz parte do núcleo base do Blackitude?
Nelson
Maca - Muita gente, de alguma forma, já participou ou participa da
Blackitude. Uns ficaram, outros saíram e outros estabelecem alianças
estratégicas. Quem compõe, organicamente, o coletivo não são muitos.
Organicamente quer dizer trabalhar mesmo, e muito. Tipo correr atrás,
panfletar, carregar peso, montar as estruturas, vender ingresso e muito
mais; trampo mesmo. Inclua aí botar grana do próprio bolso e, na maioria
das vezes (rsrs), rachar os prejuízos, trabalhar horas a fio sem
garantia de alimentação, etc. Hoje quem tá nessa vibe sou eu; o Penga, o
DJ Joe, o DJ Edilson, o Daniel Alcântara, o Ananias, a Tina, a Negra
Íris, o Bob Boa, o Neuro, a Ana Cristina. Muito outros estão próximos de
nós, embora independentes. Entre eles o Robson Véio, a Iara Nascimento,
o Lázaro Erê, o Lee27, o Jay, o Camburão e o Frank. Algumas pessoas
estiveram e foram muito importantes para a estruturação do grupo. O
Rangel Blequimobiu foi essencial ao processo. O Edbrass deu altas forças
e incentivos. Outros fizeram e fazem parte como parceiros artísticos
com os quais não corremos o risco perder o equilíbrio entre a arte e o
ativismo. Vou esquecer muitos, mas vamos lá: Dj Mario77, Elemento X, Sr.
Rânneo, Testemunhaz, Quilombo Vivo, Afrogueto, Comboio Blackitude
Free-Styele (Juno, Fall, Guga, Xarope, Macarrão, Diego 157, Dimack,
Daganja, Spock, Kiko, etc), Independente de Rua, Limpo, Peace, Sisma,
Dimak, Bigod, Roque, Finho, Marcos Costa, Lama, Soneca. Quando o técnico
e seletor de frequências Redivan trampa com a gente, e o Pablo fica
responsável pelo palco, nunca dá errado: é qualidade técnica com
certeza. Outros caras que nos fortalecem demais quando convocados sãos
os cinegrafistas e vídeo-makers Ricardo Soares e Marcondes Dourado. No
rap, atualmente temos fechado fortemente com Daganja, RBF, Afrogueto e
Opanijé. O Dj Bandido e o Edi Dj são sempre solidários e presentes. Fora
da Bahia, consideramos Sergio Vaz e o GOG como integrantes efetivos do
Blackitude. Eles também se consideram.
7– Olha Onde a Favela Chegou- Nos
corrija se estivermos errados, mas você e Jorge Hilton (Simples
Rap´ortagem) foram os pioneiros em levar o Hip Hop para dentro das
Universidades. Na sua opinião como foi esse primeiro contato para ambos?
Nelson
Maca - Olha, sinceramente, não sei se fui um dos primeiros a levar o
hip hop para a universidade por aqui. O que me destaca é o fato de ser
da universidade. Realmente, não sei, ou não me lembro quem mais fez isso
antes. Na verdade mesmo, não tenho pretensão de ser pioneiro, apenas
atuante. O presente me interessa mais que o passado! De minha parte, o
contato foi bastante respeitoso (de dentro pra fora e de fora pra
dentro) e sem submissões ou arrogâncias, eu acho...
8– Olha Onde a Favela Chegou- O
Blackitude valoriza muito o lado artístico dos elementos com os quais
trabalha. Mas que também tem um lado ativista muito forte. Você acha que
obrigatoriamente o Hip Hop tem que ser politizado?
Nelson
Maca - Sim! Mas há muitos Hip Hop, não é? Obviamente, falo do Hip Hop
que participo e que me interessa. Então minha resposta é sincera para
mim mesmo. Cada qual deve saber o que quer fazer e onde quer colar, não
é? Tem muito rapper muito bom que só pensa em música assim com tem muito
rapper muito ruim altamente politizado e ativista. Se a questão é o rap
em si, prefiro o bom rapper no palco, mesmo que não seja ativista. Pra
ser sincero, penso que fazer um bom Rap já é uma grande contribuição
política. Mas então reconheço e respeito o rapper como músico, cantor. E
posso gostar muito - sem culpa. Posso comprar o cd, vestir a camisa e
ir pro show! Na real mesmo, o que penso é que o ativismo político deve
ser uma escolha e uma convicção do artista, não uma exigência ou
imposição de público ou das “pseudo-lideranças” do hip hop. Tem muito
cara que não grafita, não canta, não dança, não risca, não produz, não
organiza eventos... e quer dizer o que pode e o que não pode. Gosta de
ocupar cargos e sempre está a frente de projetos e instituições de hip
hop. Por isso passei a desconfiar um pouco do quinto elemento
independente (que um dia já defendi). Em eventos da Blackitude,
tentamos esse equilíbrio: Estética + Conceito Hip Hop + Negritude +
Atitude.
9– Olha Onde a Favela Chegou- Ultimamente
tem se falado muito em uma suposta crise no Rap Nacional e até mesmo em
uma possível estagnação do gênero. Qual a sua opinião sobre isso?
Nelson
Maca - Vou falar de Salvador. Nunca vi tantos grupos diversificados e
tantos trampos ganhando as ruas. Melhorou muito desde os tempos da Posse
Ori. No caso específico daqui, acho que o rap só cresceu ultimamente.
Hoje já fazemos festa sem a necessidade de grupos de fora para pescar
público. Em grande parte dos casos, quando se traz alguém de fora, é por
afinidade estética, política, estratégia comercial ou outra articulação
qualquer. Mas não é mais dependência ou babação. Qualquer estética
urbana contemporânea que não se recicla, não se renova, não se aprimora
enquanto linguagem e não avança na qualidade técnica, logicamente, pode
saturar. Na Bahia tudo tá começando, há muita novidade e,
principalmente, percebo grupos em busca de uma identidade local e
própria. Não acho que o Rap está em crise por aqui, acho que está se
revelando e mostrando outras faces possíveis ao Brasil; ocupando outras
praças! Lógico que há também um pouco mais dos mesmos que há em qualquer
lugar. Faz parte (rsrsr).
10– Olha Onde a Favela Chegou- Quais grupos de Rap você destacaria na cidade no momento?
Nelson
Maca - Viiixe, você quer me arrumar problemas, é? Outro dia o Buzo me
perguntou isso para o livro sobre hip hop que ele vai lançar. Não citei
nomes... e não vou citar aqui. Fica aí para o público escolher cada qual
o seu. Nas outras respostas cito alguns, mas o motivo das citações é
atuarem em parceria com a Blackitude, não um juízo de valor, tá?. Só
gostaria de dizer que torço demais pelo sucesso do Buguelo, um menino
bom que curto demais desde criancinha!
11– Olha Onde a Favela Chegou- Além do Rap, o que mais Nelson Maca também gosta de escutar?
Nelson
Maca - Muita coisa! Nem dá pra citar muito - rsrsrs. Tenho muita MPB,
Reggae, Soul, Bloco Afro... sei lá... Por exemplo, sou fanzaço do Arrigo
Barnabé e do Ithamar Assumpção; tenho vários cds do Roberto Carlos, do
Arnaldo Batista, do Mundo Livre SA e do Belchior. Batatinha e Riachão
são o biscoito fino de minha estante; mas lá tem também as duplas Leo
Canhoto & Robertinho e Cacique & Pajé. Mutabaruka e Linton Kwesi
Johnson me tiram da normalidade. Edson Gomes e Lazzo são oxigênio para
todos aqui de casa. US3 e Buckshot Lefonque fazem do Rap e do Jazz algo
mágico, enquanto Bezerra da Silva é o Papa sem ser pop... Ouço muita
coisa. Também para mim tem dois tipos de música: a que gosto e a que não
gosto. Gosto do Chico Cesar como gosto do Jimmi Hendrix; gosto do
Wesley Nóog, da Marisa Monte e da Ellen Oléria. Da Elza Soares, da
Sandra de Sá... gosto do Magary e do Ramiro Mussoto e da Lumpen.
Realmente sou totalmente múltiplo no gosto musical: descobri Bob Dylan e
Bob Marley ao mesmo tempo. Eu tinha 13 anos! Até hoje não saberia
escolher entre um e outro. Xangai e Elomar ouvi demais na adolescência e
primeira juventude. Assisti shows de Luís Gonzaga e Luiz Melodia, o
primeiro cabelo rasta que vi de perto. Como eu quis ser ele na minha
pré-adolescência. Antes de existir rap e reggae, já existia para mim “A
triste partida”, um poema de Patativa do Assaré cantado pelo Rei do
Baião. Vi Caju & Castanha na rua lá em Curitiba. Nunca
deixei de curti-los muito! É isso: Jards Macalé, Led Zeppelin, Pink
Floyd, Neil Young, Sly e Robe, Betty Daves, Nina Simone, Tom Waits, Lou
Reed, Prince, Ray Parker Jr, Matinho da Vila, Clementina de Jesus... Por
aí... rsrsrsrsr. Mas não espalhe, para não dizerem que sou alienado,
colonizado ou que deveria ouvir apenas a música x ou y.
12– Olha Onde a Favela Chegou- Dentro do campo literário, quais livros você recomendaria para a rapaziada ler?
Nelson
Maca - Vou recomendar três romances, certo? De quem ler e se chegar
aceito trocar impressões de leitura (rsrs). Eles são “Recordações do
Escrivão Isaías Caminha” do Lima Barreto, “Homem Invisível” do Ralf
Ellinson e “Filho Nativo” do Richard Wright.
13– Olha Onde a Favela Chegou- Ainda
falando em livros, você trabalhou no processo de criação do livro do
Gog. Como é que foi trabalhar com o Gog nessa empreitada literária?
Nelson
Maca - Um privilégio! Uma chance que a vida me deu de passar horas e
horas trocando idéias com o Poeta do Rap. Mergulhamos profundamente em
cada letra. O GOG cantava uma a uma para mim e íamos transpondo-as para o
papel... não somente as frases e palavras, mas também a intenção, a
tensão, o clima. Sabe o que é isso? É o GOG, rapaz! No processo, minha
amizade e respeito pelo GOG aumentaram dez vezes. Não vou dizer o que
conseguimos concretamente porque o livro tá na rua e cada um deve
avaliar o texto final por si. Mas quero dizer que tão louco quanto
estabelecer o texto final é estar acompanhando os lançamentos e os
desdobramentos dessa ação positiva. Juntos já lançamos o livro em
Brasília e São Paulo. Sozinho, fiz um pré-lançamento no Rio de Janeiro.
Tá sendo demais. Todo o imenso carinho que os fãs têm para com o GOG tem
respingado um pouquinho pra mim. Realmente o GOG é um grande escritor; e
o livro permite uma discussão maior em torno de sua poética em outros
espaços, além dos shows e audições várias. O texto tá indo pras salas de
aula e muito mais. Muito em breve lançaremos em Salvador. Espero
que seja na mesma vibe que nos outros lugares. Com direito a pocket
shows com amigos e parceiros e conversas animadas com o autor. E muita
poesia! Gostei muito de fazer o livro! Me fez saber de cada verso do GOG
e descobrir, ainda mais, a pessoa maravilhosa que ele é.
14– Olha Onde a Favela Chegou- Nos fale um pouco sobre os Saraus promovidos pelo Blackitude. E para quem ainda não sabe fala aí onde é que são realizados.
Nelson
Maca - São dois saraus: um infantil e um adulto. O infantil chama-se
Sarau Bem Legal e acontece todo último domingo do mês na Biblioteca
Infantil Monteiro Lobato em Nazaré a partir das 10h. O adulto é o Sarau
Bem Black e acontece no Sankofa African Bar, no Pelourinho, toda quarta
feira a partir das 19h. Ambos acontecem há 1 ano e 2 meses
aproximadamente. O infantil tem um grupo residente que é o Este Tal
Recital, que a cada mês homenageia um poeta e traz outros grupos e
poetas infantis da cidade. Na ocasião, grafiteiros parceiros da
Blackitude fazem o retrato de cada poeta homenageado. O sarau adulto
tem, atualmente, como poetas fixos e apresentadores eu, o Lázaro Erê, a
Iara Nascimento e o Robson Véio. Este sarau tem uma pegada mais étnica
(Black, é lógico - rsrs) e conta toda semana com a participação dos mcs
do grupo Opanijé (Lázaro Erê e Rone Dundum) e do DJ Joe. A cada semana,
Joe faz homenagens a artistas e grupo da música negra mundial. Ambos os
saraus têm microfone aberto, ou seja, a platéia interage, declamando
seus poemas também! A divulgação dessas e outras ações da Blackitude se
dá no Blog : gramaticadaira.blogspot.com
Sarau Bem Black.
Arte de Neuro para o Sarau Bem Legal.
15– Olha Onde a Favela Chegou- Uma
certa vez você falou que pretendia lançar um livro sobre o Blakitude?
Seria um livro de poesias ou uma espécie de documentário sobre o Hip Hop
baiano do ponto de vista de Nelson Maca?
Nelson
Maca - Trata-se de um livro que contará a história da Blackitude. Para
tanto, penso escrever pequena histórias dos principais integrantes, para
mostrar como a Blackitude se reuniu e se configurou e, depois,
descrever nossas produções e intervenções na cidade. Tudo devidamente
ilustrado com fotos, panfletos, cartazes, jornais, etc. Na verdade, fui
convidado pela Heloísa Buarque de Holanda, que é professora da UFRJ e
que está a frente da editora Aeroplano no Rio de Janeiro. A editora tem
uma coleção chamada Tramas Urbanas, que é voltada para narrativas de
movimento e iniciativas contemporâneas como a Blackitude. Entre outros,
já saíram um livro sobre a Cooperifa, escrito pelo Sergio Vaz, e sobre o
Favela Toma Conta, do Alessandro Buzo. Também foram publicados na
coleção os relatos dos DJs Raffa de Brasília (Trajetória de um
Guerreiro) e TR do Rio de Janeiro (Acorda, Hip Hop!). A previsão de
lançamento é 2011, mas ainda não formalizamos o contrato. Enfim ainda
estamos nos preâmbulos! rsrsr.
16– Olha Onde a Favela Chegou- Você
já mora em Salvador há muito tempo, mas passou sua adolescência toda no
Paraná. Como é ser um adolescente negro no sul do país?
Nelson
Maca - Nunca morei fora do país, mas a impressão que tenho hoje é
parecida com a de um estrangeiro, ou melhor, um exilado. Nem tudo era
para mim... Em muitas coisas eu me sentia incluído, mas em muitas era
como se não tivesse acesso; com se houvesse uma interdição, e eu
soubesse bem o meu lugar. Na verdade, uma tensão, funcionando feito
sinal de alerta. Tipo um “anti-impulso” para a acomodação e certa
impotência, uma dificuldade de rebelião. Logicamente percebo e concluo
melhor isso hoje, pois, naquele momento, sei que tudo era meio
camuflado, sabe? Tipo um ar pesado, um mormaço, um prenúncio de mal
estar. Hoje, morando em Salvador, observo bastante o dia-a-dia das
crianças e jovens. Tenho a impressão que, nas camadas médias da
negritude no cotidiano da cidade, eles são mais altivos, mais orgulhosos
de si. Não acho que são mais conscientes ou menos discriminados, mas
acho que são mais orgulhosos mesmo, mais convictos e “ousados” que os
jovens pretos paranaense. A maneira mais fácil de se observar isso,
logicamente, é nos “jogos amorosos”. Numa situação de uma maior
exposição à “convivência” inter-étnica, tudo se contrai em si ou se
choca violentamente. Em era uma contração mesmo! Falo das paqueras e
amores aqui como ilustração, porém isso se estende a tudo: escola,
lazer, esporte, trabalho, etc. Assim eu percebia, percebo e concluo, mas
não é uma tese; apenas, por ora, a minha possível verdade particular.
17– Olha Onde a Favela Chegou- Você
considera um marco histórico o fato do presidente do Estados Unidos,
maior potência econômica do mundo ser um homem negro ou você ver essa
questão política além do ponto de vista étnico?
Nelson
Maca - Sem dúvida alguma é um marco! Agora devemos lembrar que governo e
poder não são a mesma coisa! Podem estar perto ou distante. E, na
condição de Presidente, um homem negro terá que ser, antes de tudo, um
homem nacional, portanto um articulador. Aí são outros quinhentos, né!
Mesmo assim quero explicitar aqui que, existindo candidatos negros
capacitados, eu sou pelo voto étnico!
18– Olha Onde a Favela Chegou- Apesar
de termos uma população em sua maioria constituída de negros e de
termos diversos blocos afros no nosso carnaval, muitos ainda consideram o
carnaval uma festa racista e excludente. Qual sua opinião sobre isso?
Nelson
Maca - Antes de tudo, quero dizer que sempre gostei muito de carnaval.
Apesar de todos os males ao povo negro e pobre que sabemos e
presenciamos aqui, gosto demais do carnaval de Salvador. E, apesar de
gostar demais, também o odeio igual e intensamente. Independente desse
paradoxo, divirto-me, justamente aproveitando as demandas positivas. É
tudo verdade: há racismo e privilégios, exploração trabalhista e altos
lucros, indústria cultural e trabalho semi-escravo, empurra-empurra na
rua e massagem nos camarotes. Então existem bem mais que um carnaval no
carnaval da Bahia. Tudo em paradoxo; sem síntese possível. De minha
parte, curto os Blocos Afros, a Mudança do Garcia, os trios alternativos
e por aí vai. Gosto de encontrar muita gente que sempre vem para a
cidade nessa época. E mesmo os daqui que circulam no carnaval. Gosto de
andar na “lama”, principalmente nas madrugadas, nas altas noites de fim
de festa, entre os decaídos. Sempre curti demais o Muzenza, curto o
Okanbi. Sempre descubro onde estão o Gerônimo e o Lazzo; e vou atrás.
Circulo pelo Pelourinho, acho lá bem legal, mas não sou tão saudosista
quanto os eventos e atrações de lá. Com relação à Blackitude em si, há
algum tempo flertamos com o Carnaval, mas ainda não rolou o namoro
concreto. Escrevi um projeto de hip hop certa vez que foi executado
(muito mal e mutilado) na Praça Castro Alves. Bem antes do carnaval
daquele ano desertei (do projeto), pois ele se afastava muito do que
penso que deve ser a presença do hip hop e afins na festa. Até
pouquíssimo tempo atrás, eu rejeitava a idéia de um projeto para trio
elétrico. Continuo achando que um projeto fixo numa praça tem muito mais
a ver com a história e o perfil da Blackitude. No entanto, desde a
primeira vez que vi um “trio” nas ruas da Bahia, fiquei apaixonado pela
tecnologia e vibração dessa invenção-apropriação baiana. Antes tinha
visto “trios” em outras cidades, mas não valeu, estão muito aquém! Ficou
muito evidente para mim o que pode a Blackitude em cima de um trio
elétrico depois de uma longa conversa com o grande artista do
audiovisual Marcondes Dourado. Desde meu animado papo com ele há uns
meses atrás, tenho revisto meus conceitos. Não está longe o dia de a
Blackitude se tornar também um coletivo com expressão carnavalesca. Acho
que jamais seremos batizados pela Zulu Nation (rsrsrsr).
19– Olha Onde a Favela Chegou- Recentemente
o rapper MV Bill integrou o elenco de uma novela juvenil da Rede Globo
(ele interpreta um professor). Você acha que a aceitação do Bill, sendo
ele um rapper, abre novas portas para atores negros na TV brasileira
para a interpretação de papéis maiores? E você, se sente representado
quanto negro?
Nelson
Maca - O Bill tem aberto e ocupado várias frentes segundo os valores e
interesses dele. Assim com eu tenho aberto e ocupado outras: como vocês
mesmos apontam acima, na universidade, na edição de livros, etc. Essa
discussão sobre Rede Globo e afins me cansa às vezes. Então me poupo um
pouco de comentários, para poder me expressar mais objetivamente no dia
em que me convidarem para estar lá. Não tenho um não nem um sim
antecipado, certo? Ir ou não ir na Rede Globo, para mim, primeiramente, é
uma questão pessoal, de coerência interna . Já vi muita gente que gosto
lá, e não deixei de admirá-las simplesmente por isso. Apenas queria
dizer que nas vezes que assisto a Malhação me sinto muito mal e
incomodado. Não gosto. Ainda não vi o Bill atuando lá. E sinceramente
não acho que o fato de ele estar ou não na Globo, na Record, no SBT, na
Bandeirantes vai influenciar muito o trajeto dos que estão na
divergência; na rua ou “nas internas’. Como disse o grande poeta Gil
Scott-Heron, “a revolução não será televisionada”. Confesso, enfim, que o
trabalho do Joel Zito Araujo, do Zózimo Bubul, do Jeferson De despertam
bem mais meus instintos afro-centrados. Mas parece que a Globo é um bom
trabalho. Será que paga bem mesmo?
20– Olha Onde a Favela Chegou- Uma
certa vez o rapper norte-americano KRS-One declarou que “em uma terra
que foi invadida nunca haveria verdadeiramente de fato uma reparação”
Você concorda com essa afirmação?
Nelson
Maca - Sim e não! Meu conceito de reparação e adesão às ações
afirmativas são estratégias de luta contra o Racismo e seus estragos.
Minhas aulas, palestras e poesias também. Mas não é unicamente em
relação aos milhões em espécie e valores materiais que penso. Mas penso
muito nisso, viu!!! Na verdade precisamos recompor nossa cidadania num
sentido mais amplo (social, cultural, religioso, educacional...) e
restituir a inteireza de nossa integridade subjetiva (consciência,
espírito, axé...). Na verdade, precisamos ler, entender e praticar,
radicalmente, Frantz Fanon, Malcolm X, Kwame Nkrumah e Sheik Antha Diop.
Ouvir com todos os ossos, nervos e músculos James Brown, Little
Richard, Bob Marley e Tim Maia. Reaprender a beleza e a integridade
feminina de Lélia Gonzáles, Maya Angelou, Mirian Makeba e Mãe Senhora.
Saber da luta intensa e da vida a nós doada de Fela Kuti. Enfim, não
pensar a reparação somente como restauração e retomada do passado, mas
como combustível e energia na reinvenção do presente..
21– Olha Onde a Favela Chegou- Fazendo
um balanço desses oito anos de governo do presidente Lula, em sua
opinião, quais foram os pontos positivos e quais poderiam ter sido
melhores de sua administração?
Nelson Maca - Posso não entrar em detalhes nessa pergunta? Apenas gostaria de dizer que, em relação ao conflito racial brasileiro, ao racismo institucional nacional, seu governo ficou devendo... e muito!.
Nelson Maca - Posso não entrar em detalhes nessa pergunta? Apenas gostaria de dizer que, em relação ao conflito racial brasileiro, ao racismo institucional nacional, seu governo ficou devendo... e muito!.
22– Olha Onde a Favela Chegou- Então Maca ... mande um salve aí para a galera que acompanha o blog, e que curte os trabalhos desenvolvidos pelo Blackitude e a quem mais você quiser, o espaço é seu.
Nelson
Maca - Opa! Uma honra ser lembrado e entrevistado aqui justamente num
mês tão simbólico para a Negritude brasileira que é o mês de Novembro.
Esse reconhecimento interno infla positivamente meu Ego, pois não dá
para dissimular para os pares, para aqueles que estão lado a lado com a
gente no processo de construção e dinamização do hip hop nacional. Só
tenho a agradecer a todos que acompanham e crêem nas ações da Blackitude
num sentido maior de nossa africanidade possível na Bahia Preta. E
felicitar a todos que acessam este espaço virtual que é parte da Família
da divergência construtiva. Também gostaria de mandar um salve pra rapa
que segura hoje, efetiva e cotidianamente, no palco e no camarim, na
casa e na rua, todos os frutos - positivos negativos - da Blackitude
comigo: Dj JOE, Penga, Neuro, Negra Íris, Dj Edilson, Ana Cristina
Pereira, Daniel Alcântara, Robson Veio, B.boy Ananias, B.girl Tina, Bob
Boa, Jay. E também a galera que segura a onda do Sarau Bem Black: Lázaro
Erê, Iara Nascimento, Sandro Sussuarana, Laila, Rone Dundum, Luiza
Gata, Lucinha Black Power. Mando um Salve ainda ao Dj Sankofa, nosso
parceiro que tem aberto as portas do Sankofa African Bar para o Sarau
Bem Black, para o Fela Day e diversas outras atividades da Blackitude.
Lembro ainda a amizade real e parceria efetiva e cotidiana do Poeta do
Rap, GOG, e do Poeta da Cooperifa, Sérgio Vaz. Essa é a nossa formação
de Guerrilha. Ninguém faz movimento social sozinho! A família é grande e
dispersa, mas mãe só tem uma:
África! One People! One Love!!
África! One People! One Love!!
* O blog Olha Onde a Favela Chegou,
agradece a disponibilidade do professor Nelson Maca em nos conceder
parte do seu tempo para trocar algumas palavras conosco, Valeu Maca!!!
Paulo Brazil & Léo Morais.
Blog Olha Onde a Favela Chegou.
0 Response to " Olha Onde a Favela Chegou trocou uma idéia com Nelson Maca, líder do Coletivo Blackitude. "
Postar um comentário