Pessoal! é com uma enorme honra que trazemos a entrevista da Rapper Lídia Dallet aqui no Emblema!
agradecemos a ela e sua equipe(Viela 17 Produções) pela atenção! e aguardem as outras Entrevistas do Projeto #ElaSãoEmblema
1 Louvores, Rapper, Cantora, Compositora? Quem realmente é Lídia Dallet?
Lídia Dallet é uma Rapper brasileira.
Trago no meu modo de fazer Rap, uma representação pessoal da diversidade
que é o meu país, com sua beleza, seus paradoxos e os meus. O Rap ainda é
considerado por muitos, um subgênero musica, e isto me incomoda muito. Busco o
resgate da música negra para a comunidade negra brasileira e especialmente uma
contribuição na construção da nossa identidade cultural. Eu canto, componho, tenho
aptidão para criar arranjos vocais, dirigir uma banda (apesar de não tocar nenhum
instrumento musical) e/ou grupos vocais, numerosos ou não, porém entendo que
quando achamos saber o suficiente sobre algo, é quando damos início ao nosso
processo de declínio naquilo, por isso sempre estou disposta a
ouvir/estudar/conhecer músicas atuais ou aquelas de 1920, 1910, 1970, enfim...
escuto música como quem lê um livro bem interessante, assiste a um filme
estupendo, ou simplesmente ama, expressa-se; a vejo como uma elevação de um
estado para outro, e com a abertura que o Rap por si só dá aos seus acolhidos,
agrego espiritualidade aos meus versos que são de Resistência, mas também
podem ser românticos, pessoais/reais ou eu lírico. O Rap é apaixonante! A Cultura
Hip Hop também
2- Sua música Algemas que fez parte da coletânea
#ElaSãoEmblema foi aceita de forma muito positiva, como uma música de cunho
sócio cultural pode impactar assim nas pessoas? Digo, como rapper, o que você
faz pra tornar uma música politizada um single?
Eu não faço ideia (risos). O que posso dizer é que inicialmente
procuro criar sem maiores pretensões, seja começando pela melodia, harmonia,
beat ou letra, apenas liberto pensamentos, depois faço uma autorreflexão e
procuro organizar as ideias. Como produtora musical, meu papel passa a ser transformar
estas ideias num som que as pessoas gostem de ouvir, sem me abster. Sempre tive
um gosto “lado B” e acredito que acabo trazendo esta linha alternativa para as
produções de “Diário”, meu primeiro
álbum e também primeiro disco como produtora musical; é uma aposta no singular,
por isso agradeço tamanho reconhecimento, que vem com a contribuição e parceria
de um número enorme de pessoas, toda a equipe de produção executiva e artística
da”Viela 17 Produções” na pessoa de “Daniela Mara”, a professora “Karlinha Ramalho” do pólo cultural São
Sebastião-DF, dedicada ao empoderamento cultural das mulheres periféricas, os
músicos e técnicos de gravação e projetos como o #ElasSãoEmblema que promovem o
encontro de mulheres maravilhosas e talentosas da Música Preta Brasileira neste
projeto.
As algemas apenas adéquam-se ao tempo e espaço, mas se
conseguimos manter a mente livre, a alma permanece livre, apesar da existência
delas, esta é a mensagem de “Algemas”, que traz uma reflexão sobre passado, presente
e futuro. Creio que consegui transcrever um sentimento comum, porque quando a
escrevi em 2012, não imaginava que em 2013, estaria me apresentando com ela
pela primeira vez no ”Teatro da Caesb”
em Brasília, enquanto as ruas estariam cheias de manifestantes e reivindicações
diversas, algumas bizarras, mas sentimento semelhante: a necessidade de uma movimentação
ou mudança no curso sociocultural das coisas. Esta confirmação de idéias também
aconteceu na “XXXV Semana de História do
UniCEUB – A História e os Novos Sujeitos Coletivos de Direito”, e desde
então vem contemplando cada vez mais pessoas. Fico muito realizada como
compositora e acolhida enquanto ser, espero que o álbum “Diário” reúna publico e músicos que reflitam, sobre si mesmos e
suas origens, as próprias contradições e o que elas representam, um publico que
se veja mais, no sentido de não julgar o que não sabe nem em si e nem no outro,
e se o fizer, que pare, pondere, mude de ideia, com autonomia para criar mecanismos
de desenvolvimento para o nosso país, e de cara, alguns preconceitos velados
precisarão ser quebrados, pois a quebrada vai constar em muitos lugares, mas um
dia, todos irão à quebrada com respeito e pagarão pelos nossos shows, pelas
nossas artes e fortalecerão o comércio das nossas cidades, porque nós merecemos
isto, não é porque alguém “está dando uma chance pra gente”, é uma devolução
pacífica de várias acumulações, chamem de cota ou chamem de investimento,
chamem também de ingresso se quiserem. Claro que a dignidade de cada um tem um
preço. Mas que preço é este? Já chega de pagarmos com o nosso sangue. Isto já
aconteceu, mas ainda tem acontecido por séculos. Precisamos nos equilibrar
enquanto seres, diferentes que somos, ou vamos matar tudo à nossa volta, inclusive
a nossa própria raça, a raça humana.
3- Falando mais de técnicas de escrita, quais são suas
inspirações?
Gosto muito das composições de “O Rappa”, “Djavan”, “Jair de Oliveira” e “Criolo” porque falam sobre temas cotidianos que me contemplam. Protestam,
ou falam sobre o amor através de uma escolha genial de palavras, que inspiram possibilidades
para inúmeras outras reflexões. Usam analogias muito criativas e interessantes,
trazem sempre muita informação, vocabulário e a simplicidade sofisticada e solitária
do olhar poético e/ou filosófico sobre a vida, esta é a minha leitura deles. “Haiti”, “Fora da Ordem” e “Alegria,
Alegria” de “Caetano Veloso” são
preciosas inspirações. As músicas “Negro Spirituals” e os livros de
sabedoria do Rei Salomão sem dúvida me inspiram muito desde sempre. Ouço
algumas pessoas dizerem: “Não poetize isso ou aquilo” e penso: “Como um poeta
pode sê-lo se não poetizar, seja o que for? O que é um filósofo sem o
pensamento? O que é um artista sem a sua arte? Poesias podem ser sutis,
indecifráveis, também podem ser pouco polidas, realistas ao extremo e fortes,
não fosse assim não faria sentido o RAP
não seria “Ritmo e Poesia”.
Atualmente, as rappers do coletivo “Donas da Rima” que inclui “Vera
Verônika” – A 1ª Rapper do DF - “PreThais”
e “Jaynah” (do coletivo “Casa Dandara
), “Slam das Minas”, “Sarau
VA”, ”Thabata Lorena”, ”As Turbanas”, “Milena Ângelo” e “Preto X”, são as inspirações
mais presentes no meu cotidiano, aqui no DF.
4- Que voz maravilhosa em refrões! Isso vem de alguma
experiência de backing vocal? E os louvores? Tem vários vídeos seus na
internet.
Gratidão!! Tenho influencia familiar muito grande em matéria de canto. Minha mãe adora
grupos vocais e sempre fazia as atividades da casa cantando e quando passava algum
comercial que tinha música vocalizada na TV, ela, que sempre foi muito
divertida e dona de um ouvido que capta vocais facilmente, dividia as vozes e
passava pra gente, isso era cotidiano lá em casa: eu ficava no soprano, minha
irmã no contralto, ela e meu pai no tenor, mas meu pai não canta muito bem
(risos) e penava na nossa mão, porque a gente zuava mesmo (entre risos), meu
timbre mais agudo e leve, herdei dele assim como o ritmo e o “ouvido musical”
da minha mãe, regente, ela me despertou para a beleza da harmonia vocal e passei
a ouvir músicas, observando mais os vocais que a voz principal, isto me agregou
alguma habilidade para não mais só cantar ou observar, mas criar meus próprios arranjos
vocais. Com isto fui conquistando espaço, passei por vários estilos, fiz backing
vocal para vários artistas do RAP e seus muitos segmentos - Dois deles muito
bem representados por “Rei” (Ex
Cirurgia Moral), com quem já tive a oportunidade de trabalhar fazendo rimas,
vocais, composições, produção vocal e regência e “Japão” (Viela 17), outra pessoa por quem tenho muito carinho e
respeito – aos 18 comecei a escrever para corais, mais tarde, a reger e meu
coral conquistou várias categorias: melhor composição, melhor arranjo e melhor
interpretação em um mesmo festival, assim deixei a minha contribuição no
movimento de música negra que chegou forte no Gospel do DF mais ou menos em
2005 e tenho gratidão e carinho por todos os coristas e músicos que trabalharam
comigo neste projeto. Ao meu sub regente “Cleibe
Costa”, toda honra, amizade e respeito. Ainda como backing vocal, tive a rica
oportunidade de trabalhar com artistas reconhecidos nacionalmente e/ou
internacionalmente como os cantores e compositores “Beto Dourah” e “Jorge
Vercillo” da nossa MPB, entre
outros profissionais dos vocais como: “Flávio
Franklin” e “Dani Lemos”.
Quanto aos louvores, são e espero que sejam sempre uma
expressão livre da minha própria alma, corpo e espírito naquilo que me propus a
acreditar. Não importa o que eu cante, canto como um louvor em celebração à
vida, à natureza, ao Criador e ao meu eu criatura em conexão com todas as
coisas; minha ancestralidade, o meu eu oposto, ou seja, aquela pessoa que cada
um reprova em si e/ou no outro e quando vê, na verdade está se reconhecendo provavelmente
em si e no outro, porque estamos todxs conectadxs. Alguém pode escrever ou
interpretar uma música com conteúdos sagrados, mas não pode louvar se não for
simples e inocente o suficiente, para se reconhecer em cada criação do Criador,
para isto preciso de respeito, para ter respeito preciso de amor, para ter amor
preciso de inúmeras outras coisas que estão além matéria neste corpo perecível
como o “veículo que transporta a alma” de
“Damian Marley, alma esta que pode gritar bem alto e sem pudores como em “SubRaça” de “Câmbio Negro”, ou em “Pagu”de ”Rita Lee e Zélia Duncan”, mas que anseia habitar no “Vilarejo” de “Marisa Monte”, na “Neverland”
de “Anelis Assumpção”, em “Lá” de “Ceumar” ou no “Céu” de “Lídia Dallet”; para escrever coisas
assim, você precisa de espiritualidade, não de religiosidade. Esta é a essência
e nenhum outro rótulo define a mim ou a minha música neste quesito. Além disso,
socialmente falando, permitam-me relatar com todo respeito, que a grande e
esmagadora maioria das comunidades evangélicas do nosso tempo, aqui no Brasil,
sente-se ainda profundamente ofendida, constrangida e desrespeitada ao sequer
imaginar ter que “aceitar”, menos ainda acolher nas suas congregações, membros gays
convertidos ao evangelho de Jesus Cristo, porque Cristianismo é uma coisa,
Jesus Cristo é outra, fé é uma coisa, religião é outra, bem como vários outros
enfrentamentos, que pessoalmente, juntos, permitam-me dizer que considero psicologicamente
agressivos demais, porque ainda hoje, muitas comunidades estão na busca por trabalhar
uma desconstrução em relação às mulheres (especialmente) que recorrem ao
divórcio, às pessoas que não pretendem se casar ou ter filhos ainda que adotados, ao músico que vive de
música, ao ator que vive de atuar e ao negro não embranquecido, com traços e
cultura bem assumidos ou ideologicamente conservados, apesar da “Música Preta”
e ritmos brasileiros como o “Samba” já serem recebidos com maior e melhor flexibilidade
pela maioria aqui no Brasil, isto, que não é nenhuma novidade para a comunidade
negra brasileira, já considero um avanço, porque vim desta escola, que certamente
é uma das mais ricas em relação à musicalidade, mas talvez, a mais resistente quando
o assunto é diversidade, infelizmente.Creio que muitos do meio concordam comigo
neste aspecto. E não generalizo sempre que posso, porque estamos em um processo
de libertação e liberdade, estes processos precisam ser respeitados, mas
acredito que enquanto acontecem, é necessário pensarmos que é divino conviver
honestamente uns com os outros, mantendo-nos vivos e sãos não só fisicamente,
mas emocionalmente, civicamente, dignamente. Até lá, procuro de forma cuidadosa
conservar as coisas que considero enriquecedoras, inclusive as boas amizades.
5- Conte como Lídia Dallet lida com participações:
Especialmente falando de Cultura Hip Hop, as participações
vocais foram a minha porta de entrada no cenário em 1998. Depois de aprender
com algumas situações de invisibilidade e desvalorização, o que é bem comum
quando se está começando não importa o talento e se você é mulher isto se
potencializa, hoje, procuro observar se minha identidade está sendo mantida acima
de tudo como uma Rapper que escreve e tem ideias próprias. Depois como alguém
que canta, produz, faz backing vocal, enfim, também procuro trabalhar com
pessoas que realmente querem fortalecer minha caminhada.
6- Comparações... já te compararam com alguma rapper ou
cantora da musica negra brasileira? Musica Preta.
Sim! Acho isso muito normal porque as pessoas que gostam de
um som buscam mais referências, procuram me encontrar em alguma outra música
que já tenham escutado e é bem comum que ouçam músicas que se assemelham em
algum contexto, me sinto honrada com as comparações que costumo receber, porém
percebo que muitas delas dizem mais respeito à estética dos traços, porém
entendo que o brasileiro ainda está em construção no sentido de olhar para a
cara das pretas e dos pretos e ter a consciência de que somos mais da metade da
população brasileira e ninguém precisa se encher de curiosidade quando vê
um preto como quando vê um gringo ou se
constranger ao contar nos dedos alguns “exemplos” de “um ou outro” preto que se
destaca sob tantos impedimentos. Deveríamos ser a maioria em vários outros
ambientes, assim quem sabe entenderiam que nosso cabelo não é crespo por moda,
finalmente quem sabe entenderíamos que o cabelo crespo, é o cabelo da maioria da
população brasileira, isto é etnia, não é moda, moda é colocar a cor que for
tendência (risos).
7- Brasilia, GOG, Viela17, Lídia Dallet, grande celeiro, o
que é a CEI pra quem mora nela? E o que é Brasilia pra quem mora em Brasília?
Brasília se encontra em pequenos bares e restaurantes, nas
áreas de lazer, ciclovias, universidades, feiras hippie, festivais, congressos,
no “Mané”, parques ecológicos, grandes hotéis, pequenas kits ou grandes
condomínios; no lago que equilibra a umidade, iates, caiaques, nos centros
culturais, na alta Gourmet, ou nos quiosques alternativos, ambientes sagrados,
spas, casas de show, clubes,teatros ou ambientes LGBTS, morar em Brasília é ter
instituições importantes próximas e acessíveis, é ter paisagismo e urbanismo
bem arquitetados, ipês amarelos, um mar de céu, é ser inspirado à beleza, ao
poder, ao artístico, ao místico, é ser chamado de “coxinha” (risos). Ceilândia é comunidade, é praticar escambo, é hoje
poder marcar um 10 na “Praça du Zoka”,
na “Praça da Bíblia”, na “Praça da Administração”, mas ainda é
ver seu colega negro de escola que só tirava 10 e queria ser médico, deixar a
escola pra ajudar em casa com as contas de primeira necessidade, é ver muitas mães
cuidando dos filhos sem a presença dos pais, é ver muitos avós ajudando os
netos, é ver alguns jovens e senhores pais já começando a desconstruir esta
ausência, é ver homens já tentando compreender e desconstruir seus próprios
machismos e achismos, é samba de roda,muitas pretas empoderadas, esparradas,
articuladas e belas, muitos caras que trocaram o crime pela arte,é cultura
urbana, Grafitte, Skate, Break,Freestyle, Discotecagem, é o Rap, é o vapor, feiras,
Casa do Cantador, influencia da cultura nordestina e nortista, bacú e tapa na
cara pra homem, escolta repressora e intimidadora para a mulher, iluminação
amarelada e penumbrada, faixas de pedestres próximas à retornos perigosos,
semáforos intermitentes próximos à faixas de pedestres,calçadas sem
acessibilidade, não temos parques, não temos lagos, mas respiramos o clima do
cerrado aonde as pipas cortam o nosso céu. E só pra não perder a piada, é ver “coxinhas” no sarau (risos).
Brincadeiras à parte, bem vindos, bem vindas à maravilhosa e enriquecedora casa
da cultura chamada Ceilândia.
8- O que diria para as mulheres que estão começando na cena a
serem Rappers?
Saibam quem vocês são, de onde vieram e onde querem chegar. Tenham
persistência. Defendam o ponto de vista de vocês. Unam-se. Prefiram contribuir
para uma geração de mulheres que está lacrando o feminino no Rap e na Cultura
Hip Hop. Bem vindas, rainhas!
9- Quais são os seus próximos projetos?
Shows, o primeiro DVD, palestras e oficinas para empoderamento
da mulher negra e um espetáculo Musical. .
10-Deixe um recado a todos que Acompanham o Coletivo Emblema.
Um xêro pra vocês!! Gratidão pela leitura! Felicidade, paz e amor!! Porque é isso que a gente precisa. Tudo de bom e belo!
Página Oficial!!
https://www.facebook.com/L%C3%ADdia-Dallet-716901521725769/?fref=ts
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